quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Reflexões de uma Lésbica Negra a cerca da hiperssexualização de nossos corpos

       Defender e respeitar a agência das mulheres negras sobre seus corpos e sexualidade é uma tarefa difícil no Brasil. Sabemos que vivemos em um dos países mais perigosos para se nascer uma menina e como que o Brasil é conhecido mundialmente como um paraíso do turismo sexual. Além disso, muito conservador, racista, sexista e lesbofóbico, onde o olhar do opressor, o sujeito padrão homem branco está, a todo custo, tentando nos provar em que lugar a negra deve estar e o que a negra deve ser.
        Vivemos sob a sombra da imposição de um olhar, ou uma construção social, de que a menina negra amadurece sexualmente mais cedo e, por isso, mais cedo podem "corresponder" aos desejos dos homens. É bem cedo que experienciamos a violência da hiperssexualização, todas nós, meninas e mulheres, como corpos sem dono, um corpo de todos, para o toque, para o olhar e para o abuso, nunca nosso.
   Sendo uma mulher negra e lésbica fico pensando como essa dinâmica da hiperssexualização pode ganhar um tom ainda mais assustador sobre nós. A invisibilidade das lésbicas negras começa quando nossa existência é negada pela marca racial assim, "mulheres negras nascem para corresponder os desejos dos homens". Sendo lésbicas, entramos em um lugar muito específico da hiperssexualização, onde a lesbofobia corresponde a um potencializador para a nossa condição de marginalidade social.
       Andando na rua de mãos dadas com minha companheira, trocando afeto porque temos vontade, rapidamente somos "convidadas" para programas sexuais como se estivéssemos ali à procura disso. Se eu me amo, amo o meu corpo, amo outra mulher e exponho esse amor, eu não quero que isso seja manobrado negativamente para reforçar a violência da hiperssexualização sobre mim, até porquê:

"Somos humanos, (embora a nossa humanidade seja muitas vezes questionada) e por isto as mulheres negras são, em geral, pessoas sexuais, assim como todos as outras. Nossa sexualidade é algo que é inerente à nossa pessoa, e isso é algo que devemos ser autorizadas a reclamar livremente (ou rejeitar) sem medo de represálias ou repercussões." [https://www.geledes.org.br/hipersexualizacao-da-mulher-neg…/]

          Então eu penso: como posso me proteger disso? Me recuso a me esconder, e nem quero ocupar esse lugar de sujeito assexuado. O respeito a nós não deve ser mediado pelo controle de nossas ações pois, isso continua a reforçar toda a lógica perversa que violenta a nossa saúde mental e física e fortalece a cultura do estupro, transferindo para nós a culpa pelas violências que poderemos vir a sofrer.

"Avançar de uma forma reacionária, recusando-se a ser sexual simplesmente por causa daquilo que a sociedade pode esperar de nós (por causa de nossos corpos femininos pretas), é negar a nós mesmos uma parte de nossa própria humanidade, a fim de reivindicar a nossa humanidade. Na minha cabeça, isso é contraintuitiva. Nenhuma pessoa deve ser obrigada a rejeitar a sexualidade no serviço de sua humanidade, porque a sexualidade faz parte da humanidade." [https://www.geledes.org.br/hipersexualizacao-da-mulher-neg…/]

           O enfrentamento à hiperssexualização do corpo da mulher negra é uma pauta de muitos anos, que foi, e ainda é muito urgente!  Uma ferramenta que tem servido para nos impedir de avançar, deixando sempre lacunas em nossas vidas, exigindo de nós um esforço altíssimo para que possamos alcançar as nossas conquistas, saturando a nossa saúde mental e controlando nossos corpos.

                                                                                             - Sheila Nascimento (Sheu).

Texto de apoio: A hiperssexualização da mulher negra e a política da respeitabilidade.
<https://www.geledes.org.br/hipersexualizacao-da-mulher-negra-e-politica-da-respeitabilidade/>

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